“Porque,
se nós julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados” – Paulo na Primeira Carta aos Coríntios, capítulo 11
e verso 31.
No último sábado, na Estação do Caminho em Salvador, nós meditamos sobre Julgamento e o seu discernimento.
A ideia do julgamento é tão velha quanto
a própria sociedade humana. De fato, ao se pensar na sociedade organizada,
imediatamente precisamos conceber as leis e o seu cumprimento como base
fundamental para o direcionamento organizado da experiência humana na Terra.
Tudo o que fazemos, tudo o que
organizamos, tudo no que nos envolvemos socialmente envolve algum tipo de
julgamento. Seja o que vamos comer, beber, vestir. Seja com quem queiramos
estar agora, amanhã, a vida inteira. Negar essa realidade implica alienar-se do
que se pode chamar vivência humana. No entanto, as Escrituras, e em especial o
Novo Testamento, condena em vários momentos esse exercício, trazendo-nos uma
questão: Quando devemos julgar (e se devemos)? Ou, em que circunstância podemos
exercer isso, sem, entretanto, trazer nesse ato uma carga de prejuízo ou
injustiça para alguém?
Jesus disse para não julgar.
Jesus também disse para julgar.
Muitas pessoas, com um coração
bem-intencionado, nos chamam a não julgar a ninguém. E nessa escolha, se colocam,
de forma sadia e segura, em uma posição confortável segundo aquilo que
coloca-nos sobre “...maior juízo”, já
que “...com a medida que medires, vos
medirão a vós”. Mas, em algum momento, somos chamados a julgar de uma forma
que, a depender da situação, pode ser inevitável. Nesse momento, o que faremos?
O que Jesus fez?
No Evangelho, alguns fariseus utilizaram
uma dor e equívoco humano para por Jesus à prova. No primeiro momento se
percebe que aqueles que querem exercer um juízo perverso, sempre andarão a
espreita. Sim, porque todos, em algum momento, incorremos no equívoco de sair
do nosso Caminho. Somos, em essência, Caminhantes da Vida, aos quais Deus
concedeu liberdade, até para se perder.
Em suma, diante daquela circunstância, a
turba apresenta a Jesus uma mulher. Uma desconhecida que, diante do desejo
insano daquele grupo, é arrastada pelas ruas para aquele Encontro. Os
julgadores contumazes apresentam seu pecado, com tamanho requinte de espreita
que a pegam no próprio ‘ato’.
Eles lhO perguntam: É justo que a
matemos?
Era ‘justo’.
A ideia de justiça daquele tempo era um
só: a Lei. E a Justiça da Lei manda que aqueles pegos onde esta mulher fora
pega fossem apedrejados. Mas diante dessa situação, Jesus escolhe aquilo que
melhor cabia no momento: escrever na areia.
Os julgadores corriqueiros insistem:
“Sim ou não”.
E Jesus, na insistência judiciosa
responde: Nem sim, nem não.
Porque a justiça segundo Jesus não anula
o erro. Mas o usa para transformar-nos naquilo que precisamos ser: nós mesmos
em Deus. Porque apenas aquele que nunca pecou poderia atirar pedras, segundo
Jesus. E mesmo Ele não quis atirar. Mas o que talvez estejamos perdendo nesse
momento tão significativo do Evangelho?
Jesus não condenou a mulher. Mas a
julgou.
“Onde
estão os que te acusavam? Ninguém te condenou?”
“Não.
Ninguém, Senhor”.
“Eu
tampouco te condeno. Agora, vá. E não peques mais”. (grifo meu).
Porque Jesus sabia que a experiência
humana não está desvinculada da recondução básica para aquilo que fomos
chamados a ser. O Evangelho de Jesus é o Evangelho de que o pecado não nos
afasta mais de Deus. Mas nos faz propensos a passarmos pela vida sem sentir o
prazer de viver sem medo do amanhã. Ele nos traz a possibilidade de, nesta
vida, viver em paz. Tendo gozo como recompensa diária do Amor que, porque ama,
disciplina.
Isso acontece em todo o Evangelho.
Isso acontece em toda a experiência
embrionária da Igreja dos Apóstolos.
Existem aqueles que podem escolher não exercer nenhum tipo de julgamento no que se refere ao outro. Entretanto, mesmo isso sendo sadio segundo o Evangelho, isso pode nos eximir do cuidado com o outro que, em circunstâncias como a da mulher, necessitam do "...nem eu te condeno" na mesma proporção do "...vá e não peques mais".
Pode haver circunstâncias em que mesmo escolhendo escrever na areia e evitar esse julgamento, a existência pode nos levar a encarar com discernimento que julga, porém sempre ao fim exerce misericórdia:
"...vá e não peques mais" - é julgamento que com misericórdia cuida e disciplina.
O papel do julgamento é conduzir à
saúde, quando o mesmo se dá segundo o padrão de Jesus. Sadio quando aplicado
segundo a reta justiça. Aquela medida que sabe que, na mesma medida que julga,
é julgado. No entanto, em Jesus, mesmo o mais tenro julgamento passa pela
grandiosa realidade do Evangelho, a qual Cristo comprou com seu sangue...
...de que A Misericórdia triunfa sobre o
Juízo.
Somos chamados a ‘misericordiar’ a Vida.
No entanto, não devemos esquecer de que Deus nos deu discernimento para julgar
as coisas que afetam diretamente a nossa vida. Em cada escolha, para nós ou
para outros, julgamos e discernimos posições, posturas, intenções, e em todas
as circunstâncias, escolhas.
Somos chamados para as escolhas. E cada
escolha julga, tanto a si quanto a outros.
Que o nosso Caminho seja de bons
julgamentos, segundo a reta justiça. Que estes nos conduzam a uma vida de boas escolhas, todo dia. E
que nas más escolhas façamos, também, bons julgamentos. Que o nosso olhar seja
passível de entender a fragilidade de cada ser, inclusive nós mesmos. Que
possamos entender, de uma vez por todas, que somos julgados, todos os dias,
pelas coisas mais comezinhas. Que o exercício do julgamento começa sempre em mim mesmo, para que na saúde desse primeiro passo, possa se estender de forma sadia para o resto da existência. E que nesse entendimento saibamos que, em cada
julgamento, a Misericórdia triunfará.
Estação Salvador.
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