Uma ferida é, pela classificação médica, uma interrupção do
tecido corpóreo. Nesse sentido, ela está diretamente ligada a um trauma ou
qualquer ação de agente externo.
Entretanto, as feridas do corpo, ou seja,
tangíveis, podem se assimilar com aqueles que adquirimos diante dos traumas
psicológicos, pois tanto na alma como no corpo as interrupções deixam marcas.
As marcas da ferida, os estigmas, são parte integrante do
ser humano. A vida é composta, inexoravelmente, pelas incidências da
existência, de forma que cada pessoa tem na sua constituição as marcas de ações
externas compondo seu caminho e percepção do mundo.
Conforme mencionado pelo querido Edivan, na última reunião
do Caminho da Graça em Salvador, a idéia dos estigmas como formadores da
concepção, constituição e condição humana nessa Terra são tensamente presentes.
Foi citado o texto do Evangelho de Mateus, no capítulo 11, onde os estigmas
demonstram que, independente da sua presença, o olhar é que constitui bem ou
mal a elas. Primeiro, Jesus recebe os mensageiros do João Batista, que
questiona se Jesus era Aquele que deveria chegar. Havia uma dúvida. Havia uma pré-ocupação.
Diante da qual, Jesus apenas demonstra que os sinais respondem mais do que a
mera confirmação diante das inquietações de João. Logo após, Jesus se volta a
seus ouvintes e questiona sobre o olhar deles de João Batista. Claramente,
Jesus trata dos estigmas de um povo que aguardam a mudança de paradigma de sua
condição, esperando pelo poder restaurador do Messias, sem, no entanto, deixar
de possuir os estigmas de gente que esperou bastante e se deparou com muitas
decepções.
- O que fostes ver no deserto? Um caniço
sacudido pelo vento? – Jesus a respeito de João Batista.
Ele sabia que deveria, diante daquele questionamento
inicial, tratar a incompreensão das pessoas sobre quem é aquele homem que,
mesmo diante de um chamado profético e totalmente distinto na história da Fé,
tinha a condição humana presente desde as entranhas.
Com Jesus, as coisas são como são.
Logo em seguida no capítulo, Jesus ainda trata das
percepções das pessoas de hoje, como meninos que não se contentam com o que
recebem da vida. “...tocamos músicas de
casamento e não dançam! Cantamos lamentações e não choraram!” . Vemos em
seguida que Jesus demonstra essa marca, a da incredulidade, nas cidades que por
isso não escolheram se arrepender, mesmo diante de grandes milagres, condenadas
a receber por isso pior juízo que Sodoma ou Gomorra.
Além disso, Paulo cita em uma de suas epístolas (Gl 6:17)
que trás as Marcas de Cristo.
E diante de tudo, a percepção mais crua e viva do Evangelho –
a Ressureição. Porque o Ressurreto mostra as mãos do Corpo Glorificado e expõe
as marcas das mãos e pés dizendo: “Sou Eu”.
Sim. Nós somos nossas marcas. No entanto, essas marcas
servem apenas de agentes para um fim que nós podemos usar mediante nosso olhar.
É o olhar bom que resolve ver na dor a possibilidade de formar um ‘ente-dor’
que a usa para o Bem. Esse ‘ente-dor’ a vê como forma de identidade nEle. O
Deus que escolhe sentir dor, que escolhe, mesmo diante do Corpo Glorificado que
recompõem em eternidade o que é efêmero, que torna o corruptível em
incorruptível, mesmo assim trazer no corpo os furos e marcas do Amor com que
amou. Sem lamentos, sem mágoas. Apenas um testemunho eterno de alguém que escolheu
transformar toda dor em Bem.
O Evangelho então se mostra um condutor de vida e Salvação.
E a ferida salva, não só para Salvação Eterna como algo distante, mas salvação
como saúde Hoje. Um dos significados da palavra salvação no Evangelho é esse.
Saúde. O Evangelho nos chama ao ‘encaramento’ da vida com saúde. Saúde no olhar
é ver que cada dor tem um componente que, deixando suas marcas, nos dá
oportunidade de trazê-las para a vida e para o Grande Entendimento de que,
todas as coisas são Bem quando as olhamos com o olhar do Amor daquele que, em
tendo sofrido por amor, não se achou um coitado por isso.
Esse é o Chamado. Transforme suas marcas e dores em Bem do
Evangelho na Vida.
“Ele levou sobre si
nossas dores. [...] O Castigo que nos trás a Paz estava sobre Ele. E por suas feridas,
fomos sarados” – Isaías 53 (grifo meu).
Que nossas feridas, assim como as dele, nos dêem a saúde /
salvação necessária para o real ‘encaramento’ da vida.
Anderson Villaverde.
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